Agregação de valor nas cadeias produtivas agrícolas

O que é valor? O valor de um produto ou serviço pode ser entendido como a relação entre qualidade e preço. Alguns consumidores percebem valor quando o preço é baixo, outros percebem valor quando existe um equilíbrio entre qualidade e preço.

Outra visão acerca do significado de valor argumenta que defini-lo apenas por qualidade e preço pode ser muito simplista. Características especiais, serviço pós-venda e experiência positiva com a marca também agregam valor.

No fim das contas, o consumidor final é o pagador de todos os valores gerados ao longo da cadeia dos produtos e serviços. A agregação de valor ocorre quando o consumidor percebe acréscimos nas características que lhe são entregues.

Diversas estratégias podem contribuir para incrementar o valor percebido. Em mercados maduros, como o norte-americano, o francês e o italiano, a valorização da compra local beneficia pequenos produtores. Ações em supermercados ajudam a aproximar o consumidor do produtor, com narrativas sobre a forma de produção, a realidade dos agricultores e a autenticidade dos produtos. Muitos consumidores contemporâneos valorizam estes aspectos.

Outra forma de agregar valor aos produtos agrícolas é sua aplicação em diferentes indústrias, como o setor químico e a indústria farmacêutica. O açaí é utilizado para produção de cápsulas de antocianina com propriedades terapêuticas, por exemplo. A nanotecnologia viabiliza processos de rastreabilidade, conservação, qualidade e certificação de produtos agrícolas, o que agrega valor. As biotecnologias possibilitam a geração de novos produtos e a bioeconomia já é uma realidade. Todas essas oportunidades caracterizam a agregação de valor como uma megatendência para o futuro da agricultura brasileira.

Um mundo em crise nutricional

O panorama da questão alimentar no mundo é diverso e contraditório. Ao mesmo tempo em que cresce o poder de compra e a demanda por alimentos gourmet e comida saudável, a obesidade no mundo triplicou desde 1975 e ainda existem aproximadamente 800 milhões de pessoas subnutridas, o que representa mais de 10% da população mundial.

Em primeiro lugar, não se pode deixar de discutir os aspectos ligados à desnutrição, incluindo a subnutrição e as deficiências de micronutrientes, que geram elevados custos sociais e econômicos para a sociedade. Além dos subnutridos, quase 2 bilhões de pessoas sofrem carência de um ou mais nutrientes.

O mundo tem enfrentado uma crise nutricional com a predominância de dietas de baixa qualidade em praticamente todos os países. Em 2015, 1,33 bilhão de pessoas estavam acima do peso ou obesas. Subnutridos e obesos somam um terço da população mundial.

A desnutrição infantil crônica tem caído, mas segue elevada em muitas zonas da África

Na barras horizontais, percentual de desnutrição infantil em âmbito mundial. Nas barras verticais, por continente. Fonte: FAO

Obesidade em edultos aumenta em ritmo acelerado em todas as regiões

No eixo Y, percentual de obesos entre adultos de 18 anos ou mais. Fonte: FAO

O Brasil, apesar de ter saído do mapa da fome em 2014, ainda conta com milhões de pessoas sem acesso regular ao alimento e apresenta um quadro de déficit nutricional, com incidência de doenças crônicas relacionadas à baixa qualidade da dieta.

As causas imediatas da má nutrição são complexas e multidimensionais, podendo-se destacar:

  • Indisponibilidade de alimentos seguros, variados e nutritivos.
  • Falta de acesso à água potável.
  • Ausência de saneamento e de cuidados de saúde.
  • Alimentação infantil inadequada.
  • Escolhas alimentares inapropriadas.

Trata-se de um problema complexo, cujas causas passam por questões econômicas, sociais, políticas, ambientais, culturais e fisiológicas muito mais amplas. A má nutrição está intimamente ligada, direta ou indiretamente, às principais causas de morte no mundo, constituindo um dos maiores desafios para a sociedade moderna e para as políticas públicas.


Obs.: as informações apresentadas nesta página estão devidamente referenciadas no documento completo Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira (PDF).

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Tendências no mercado de alimentos

O documento Brasil Food Trends 2010:2020, baseado em estudos internacionais de diferentes institutos e agências, reúne as principais tendências de alimentação no mundo, que são:

Sensorialidade e prazer: os consumidores priorizam o sabor e as características sensoriais do produto, mesmo pagando preços mais altos. Produtos gourmet, especiarias regionais e alimentos inovadores fazem parte desta tendência, valorizada por 22% dos brasileiros que participaram da pesquisa.

Saudabilidade e bem-estar: são produtos benéficos à saúde em diferentes aspectos, tais como físico, mental, cardiovascular e gastrointestinal. Produtos com ingredientes naturais, isentos de alergênicos ou com teores reduzidos de sal, açúcar e gorduras fazem parte desta tendência, que ainda não está individualmente consolidada no Brasil em comparação com as demais.

Sustentabilidade e ética: assim como a tendência anterior, Sustentabilidade e ética não está consolidada individualmente no Brasil. As duas tendências agregadas, no entanto, são valorizadas por 21% dos consumidores e devem ser consideradas no cenário de futuro, especialmente por serem promissoras para o setor agropecuário. Sustentabilidade e ética é a tendência de valorização da forma como os alimentos são produzidos, processados e comercializados. São priorizados produtos de sistemas sustentáveis e éticos.

Conveniência e praticidade: é a tendência confirmada por maior percentual de brasileiros: 34%, de acordo com a pesquisa. Trata-se de um segmento motivado pelo ritmo de vida nos centros urbanos, que demanda por economia de tempo e esforço. Produtos alimentícios prontos, congelados, processados e de rápido preparo fazem parte desta tendência.

Confiabilidade e qualidade: é um pilar que orienta as escolhas de 23% dos consumidores brasileiros. São valorizados produtos seguros e de qualidade atestada. Garantia de origem, rotulagem informativa, rastreabilidade e selos de qualidade gerados a partir de boas práticas de fabricação e controle de riscos contribuem para construir credibilidade de marcas e produtos.

Os segmentos relacionados à saudabilidade e ao bem-estar continuam em crescimento constante e podem ser considerados tendências consolidadas no Brasil e no mundo, criando oportunidades para agregação de valor de produtos agrícolas. Cresce o mercado global de alimentos funcionais, aqueles que, além de apresentarem propriedades nutricionais básicas, produzem outros efeitos benéficos à saúde. Em 2015, esse mercado movimentou US$ 130 bilhões, com projeção de crescimento de 92% em 10 anos.

Tendências observadas para o consumo de alimentos no Brasil

 

Fonte: Fiesp/Ibope

Pode-se destacar como importantes tendências de consumo na temática de alimentos, nutrição e saúde:

  • Alimentos funcionais com características antioxidantes, probióticas, prebióticas, ou ingredientes funcionais, com foco nas biomoléculas, como fitoesteróis, ácidos graxos, peptídeos, fibras, flavonoides, ácidos fenólicos e vitaminas.
  • Produtos isentos ou com teores reduzidos de açúcar, sódio e gorduras trans.
  • Processos e produtos para públicos específicos, como atletas, idosos, crianças e pessoas com alergias e intolerâncias alimentares.
  • Novas fontes protéicas: proteínas de plantas, carne de laboratório, algas, coprodutos, insetos.
  • Produtos com apelos de tecnologia limpa, ambientalmente amigáveis, isentos de aditivos químicos e oriundos da biodiversidade.
  • Uso de ingredientes naturais.
  • Aproveitamento de coprodutos agroindustriais para obtenção de compostos de interesse.
  • Alimentos específicos para necessidades dietéticas individuais.

A pesquisa deve englobar o sistema alimentar como um todo, desde a produção agrícola até a obtenção de alimentos prontos para consumo e que propiciem dietas de alta qualidade. Alimentos com maior valor nutricional ou isentos de compostos alergênicos poderão ser obtidos, por exemplo, com técnicas de edição de genoma. Visando à redução das deficiências em micronutrientes, a pesquisa em biofortificação em culturas que ainda não foram estudadas continua sendo uma estratégia importante.

Agregando valor pela origem

A indicação geográfica é um mecanismo para identificar a origem de produtos ou serviços quando determinada qualidade se deve a sua origem ou quando o lugar de produção se torna conhecido. O Vinho do Porto é um ótimo exemplo. São vinhos peculiares da região do Douro, em Portugal. No Brasil, a Cachaça de Paraty é formalmente reconhecida como uma bebida produzida nos engenhos desta região, no litoral fluminense. É um mecanismo de agregação de valor.

Carregada de história, a região do rio Douro é reconhecida internacionalmente como excelente produtora de vinhos.

Do ponto de vista do produtor, são dois os objetivos. O primeiro, mais imediato, é o aumento do preço do produto comercializado. O segundo, mais relevante, é a concretização do reconhecimento de um lugar como originário de um determinado produto qualificado e diferenciado. Isto gera reputação e valoriza a história e a cultura da região e de seu povo.

O reconhecimento favorece a permanência das pessoas no lugar, onde hábitos são transmitidos entre gerações, contribuindo para um desenvolvimento sustentável das comunidades. Há tendência de crescimento de iniciativas relacionadas à indicação geográfica de produtos de maneira que esses sejam associados a altas qualidades e reputação nos aspectos ambientais e sociais.

Em contrapartida, também se busca a proteção do consumidor, que é informado corretamente sobre o produto que está consumindo, com garantias formais de procedência e genuinidade. Essas características fazem com que os consumidores percebam maior valor no produto.

Rotulagem, selos de qualidade, denominações de origem, certificações orgânicas e informações sobre sistemas de produção socialmente justos e ambientalmente amigáveis estão sendo cada vez mais empregados para agregação de valor. Apresentação, embalagem, ponto de comercialização, e demandas específicas de nichos de mercado, entre outras estratégias de marketing, têm impactado de forma decisiva muitos mercados, bem como a imagem que o consumidor tem de certa marca ou país.

Nano revolução

Já imaginou gerar produtos mais valiosos a partir de resíduos vegetais? Isso tem se mostrado possível com o uso de nanotecnologia, que trata da matéria em escala atômica e molecular. Entre as aplicações, estão o desenvolvimento embalagens biodegradáveis, sensores de alta sensibilidade, filtros de separação e aditivos para a indústria química. Tudo isso a partir da extração de nanocelulose, agregando valor na ordem de 100 a 1000 vezes a resíduos vegetais que eventualmente seriam descartados.

A nanotecnologia aplicada ao desenvolvimento de sensores já demonstrou, por meio dos resultados da língua eletrônica, que pode contribuir para avanços da análise sensorial e do monitoramento da qualidade de produtos agropecuários, tais como alimentos, bebidas, óleos e biocombustíveis, além de permitir a detecção de contaminantes orgânicos e inorgânicos em solo e água.

A aplicação industrial se desdobra ainda na indústria de fertilizantes, pesticidas, medicamentos para uso veterinário, além de setores relacionados ao processamento e à conservação de alimentos. A nanotecnologia é uma área portadora de futuro, que tem se destacado pela imensa permeabilidade e convergência em áreas relacionadas, desde a física e a química até a biologia e a agronomia.

Bioeconomia e automação

Boa parte das oportunidades de agregação de valor a produtos agrícolas por meio da nanotecnologia estão inseridas em um contexto mais amplo: a bioeconomia. O diferencial da bioeconomia é a matéria prima. Materiais, químicos e energia são derivados de recursos renováveis (como a biomassa produzida pela agricultura) e não de petróleo, como os tradicionais plásticos, o asfalto e diversos outros produtos que estão por toda parte.

As últimas décadas têm sido marcadas por preocupações globais com questões ambientais como o esgotamento de recursos fósseis e as consequências da poluição. Tem crescido a demanda por processos e produtos baseados na exploração racional e sustentável de recursos renováveis.

Nessa nova economia, a transformação da biomassa possui papel central na produção de alimentos, fármacos, fibras, produtos industriais e energia. A diferença entre a bioeconomia do passado e a atual é que esta última tem por base o uso intensivo de novos conhecimentos científicos e tecnológicos, como os produzidos pela biotecnologia, genômica, biologia sintética, bioinformática e engenharia genética. A pesquisa agropecuária tem papel fundamental neste contexto.

A bioeconomia fortalece a relação entre agricultura e indústria, tornando-as parte do mesmo processo, o que agrega valor à atividade agropecuária. É uma oportunidade para a agricultura brasileira utilizar e aprimorar todo o seu potencial de multifuncionalidade, que é a sua capacidade de prestação de serviços ambientais e de produção de alimentos, fibras, energia, insumos e química verde. São múltiplas as frentes para agregação de valor.

Por que a Bioeconomia deve ser considerada uma tendência?

Pesquisador da Embrapa, Guy de Capdeville explica porque a bioeconomia é estratégica para o Brasil.

A expectativa é que os inúmeros recursos da biodiversidade brasileira, quando bem caracterizados e racionalmente explorados pelas novas ciências, possam contribuir de forma cada vez mais efetiva com a bioeconomia nacional. A tendência é buscar uma economia inovadora com baixas emissões, que concilie as exigências para a agricultura sustentável, a pesca e a aquicultura, a segurança alimentar e o uso sustentável dos recursos biológicos renováveis para fins industriais, assegurando ao mesmo tempo a biodiversidade e a proteção ambiental.

O país deve adotar políticas que estimulem pesquisadores, cientistas e ambientalistas, ao mesmo tempo que facilitem o acesso ao vasto patrimônio genético contido na biodiversidade de nosso território.

Automação

A automação é uma realidade em milhões de hectares do mundo rural brasileiro e agrega valor por meio do aumento de produtividade, da diminuição de falhas humanas e da redução do trabalho penoso e de riscos operacionais. O uso de máquinas para plantio, colheita, ordenha e abate já está estabelecido, com perspectivas de intensificação no mundo e no Brasil nas próximas duas décadas. Com o uso de sensores e imagens de satélite de alta resolução, entre outras tecnologias na automação, estima-se aumento de produtividade e o desenvolvimento de sistemas de produção mais eficientes.

Automação na pecuária leiteira contribui para o aumento da eficência da produção

Uma tendência observada na automação são os tratores autônomos. Atualmente em testes na forma de protótipo, os tratores autônomos deverão estar no mercado até 2023. A maior eficiência da telemetria permite avaliar a performance, o percurso e a velocidade das máquinas de forma precisa, permitindo um desempenho mais eficiente.

A agregação de valor por meio da automação, no entanto, ainda está restrita a uma pequena parcela dos produtores brasileiros. A agricultura familiar, até o momento, pouco teve acesso aos processos de automação. Além disso, por conta de especificidades regionais, existe uma série de demandas sem solução, ao contrário do segmento de produção de commodities agrícolas, que já conta com diversas tecnologias no mercado.