Agricultura: oportunidades e desafios

Os dados apresentados na seção anterior destacam o potencial, o dinamismo e a inserção de setores importantes da agricultura brasileira no mercado global. Nesse contexto, a identificação de desafios e oportunidades é fundamental para aprimorar o desempenho do setor. Essa análise é feita por atores públicos e privados e orienta políticas públicas e demais ações das partes interessadas.

Para as instituições de pesquisa agrícola, as demandas e possibilidades de atuação oriundas de tais desafios e oportunidades embasam a definição de suas diretrizes de ação. 

Importantes oportunidades e desafios que influenciarão a produção agrícola brasileira se relacionam a conhecimento e tecnologia. Três grandes grupos são ressaltados:

  • Aumento da qualidade e eficiência produtiva

  • Sustentabilidade ambiental

  • Aspectos sociais

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O VII PDE traz um novo olhar sobre o posicionamento institucional, pensado a partir da diversidade dos ecossistemas de inovação para aprimorar a execu...

Aumento da qualidade e eficiência produtiva

A melhoria da eficiência produtiva tem como objetivos assegurar o abastecimento regular do mercado interno, permitir a ampliação das exportações e melhorar a renda dos produtores rurais. São três as formas básicas para aumentar a eficiência produtiva. 

A primeira é por meio do aumento da produtividade dos diferentes fatores de produção, quais sejam: terra, trabalho, insumos e capital. Da terra, projeta-se mais quantidade de grãos ou carne produzidos por unidade de área ou animal; do trabalho, menos horas utilizadas por unidade produzida; dos insumos, uso de menor quantidade; e do capital, emprego de menos recursos materiais (máquinas e implementos) por unidade produzida. Como exemplo, a água controla secas via irrigação e, assim, aumenta significativamente a produtividade. Sementes melhoradas, fertilizantes e defensivos mais eficientes, treinamento de mão de obra, boas práticas de produção e equipamentos e implementos agrícolas adequados melhoram a produtividade das culturas e das criações. Rebanhos e culturas com sanidade são condição sine qua non para a competitividade nos mercados nacional e externo.

A segunda é via redução de custos. Dentre os fatores que contribuem, destacam-se gestão eficiente da propriedade (incluindo controle das operações agrícolas), manejo integrado de pragas, manejo da irrigação e correção da fertilidade dos solos, agricultura de precisão e digital e substituição de insumos químicos por biológicos, a exemplo da fixação biológica de nitrogênio e do controle biológico de pragas. A adoção, em maior escala, de ferramentas digitais na agricultura, além de refletir na redução de custos, contribuirá para uso mais eficiente de fertilizantes e defensivos, podendo ainda contribuir para a melhoria da eficiência de todo o processo produtivo.

A terceira é pela escala de produção. Se a rentabilidade por unidade de produto é baixa, numa economia competitiva como a brasileira, a solução é aumentar o volume produzido. Cadeias produtivas organizadas, como as de aves e suínos, já operam com escalas maiores. A tendência é a mesma para outras cadeias, como a do leite e a da pecuária de corte.

É importante considerar que o aumento da eficiência acarreta potencialmente a produção de excedentes de vários produtos agrícolas, o que, por sua vez, requer empenho do governo não só na manutenção dos mercados externos, mas também na busca contínua por abrir novos espaços para destinação de tais excedentes. No tocante à pesquisa, esse ambiente de negócio impõe preocupação constante no sentido de assegurar o atendimento de exigências cada vez maiores quanto à qualidade do que é ofertado, considerando a responsabilidade social e os aspectos ambientais associados aos sistemas de produção. Além disso, é preciso considerar a necessidade de atentar aos atributos relacionados com agregação de valor nos aspectos tanto nutricionais quanto associados à saúde, uma vez que esses atributos têm se tornado fatores diretamente relacionados à decisão de adquirir ou não produtos de consumo.

Outro problema relevante que surge como consequência do modelo agrícola brasileiro diz respeito à mão de obra. Há uma redução da demanda por mão de obra nos sistemas de produção como resultado da automação e da introdução da denominada agricultura de precisão. Esse fato, associado a outras questões, tem, como resultado, o êxodo de grandes contingentes humanos do campo para as cidades que, por não estarem devidamente preparadas para acolhê-los, os transformam em marginalizados. Essa intensificação produtiva é complementada pelo uso, cada vez maior, de conhecimento científico e tecnologia, o que, por sua vez, também influencia na demanda por mão de obra no outro extremo do espectro: buscam-se pessoas mais qualificadas e capacitadas para incorporar adequadamente os novos conhecimentos e tecnologias. Essa demanda, então, atrai mão de obra especializada adequada a sistemas de produção que usam mais intensamente as tecnologias de informação.

Sustentabilidade ambiental 

Para a implementação de sistemas de produção sustentáveis, faz-se necessária, em primeiro lugar, a adoção das boas práticas de produção agropecuária, de modo a preservar os recursos naturais (solos, água, biodiversidade, florestas naturais), garantindo a produção futura. O combate à erosão e recuperação de solos degradados e a manutenção de mananciais de água, de florestas naturais e da biodiversidade são prioridades que devem nortear as ações dos produtores rurais e são diretrizes de políticas públicas. Nessa ótica, o Código Florestal (Brasil, 2012) estabeleceu parâmetros legais que dão suporte à produção sustentável, com respeito ao meio ambiente.

Os seis biomas brasileiros demandam estudos e ações específicos. Destaca-se a Amazônia, em razão da sua dimensão e das oportunidades para o desenvolvimento da agricultura sustentável. A atenção de organizações e da opinião pública nacional e internacional aos desmatamentos ilegais demanda ações de inteligência, articulação e comunicação, de modo a garantir a preservação dos recursos naturais e não comprometer as futuras exportações agrícolas. Tecnologias e conhecimentos são fatores essenciais para promover o desenvolvimento sustentável da região, fomentando principalmente o aproveitamento dos recursos dessa região e o fortalecimento da bioeconomia e da aquicultura.

Aspectos sociais

Enquanto parte das propriedades rurais formam ilhas de produtividade e de oferta competitiva, concentrando a maior porção do valor bruto de produção, existe outra, constituída por um contingente importante de médias propriedades com dificuldade de acesso ao principal fator de produção: a tecnologia. Existe ainda grande número de propriedades que se encontram à margem do processo de produção, sem acesso à tecnologia, à assistência técnica e aos mercados. Esses são, em grande parte, responsáveis pela pobreza rural brasileira.

A análise do censo de 2017 conduzida por Souza et al. (2020)1 revela que houve avanço na do valor bruto da produção (VBP). Em 2006, o número de estabelecimentos cuja produção alcançava valor bruto superior a 200 salários mínimos era 27.306, que representaram 51,19% do VBP. Já em 2017, esse número era de 24.791, que geraram 47,11% do VBP. Com relação aos estabelecimentos enquadrados no outro extremo (com VBP entre 0 e 2 salários mínimos), o que se observou foi ligeiro aumento em seu número: enquanto, em 2006, tais estabelecimentos representavam 66,01% do total, em 2017, chegaram a 67,64%. 

A análise englobando tanto a produção quanto as classes de VBP revela que, em 2006 e em 2017, houve uma concentração da produção em um número reduzido de estabelecimentos e uma concentração de número de estabelecimentos nas duas classes de VBP mais baixas, ou seja, entre 0 e 2 e entre 2 e 10 salários mínimos. Isso reforça a constatação de que parte da agricultura brasileira tem se modernizado e se baseado em ciência e tecnologia, ao mesmo tempo em que outra parte não tem sido capaz de acessar adequadamente fatores importantes de uma agricultura moderna, tais como tecnologia, insumos, crédito e mercado. 

Nem mesmo a evolução agrícola extraordinária nas últimas décadas conseguiu incorporar ao mercado mais de 3 milhões de pequenos produtores, que permanecem em diferentes estágios de pobreza e à margem das modernas tecnologias biológicas, mecânicas e de gestão. Seu progresso e mesmo sobrevivência continuarão comprometidos caso políticas públicas para fomentar o acesso a recursos (dentre eles, as tecnologias) não se concretizem com efetividade. Dentre as causas dessa marginalização, destacam-se imperfeições de mercado, educação básica deficiente e pouco acesso a modernas tecnologias e à assistência técnica e extensão rural pública. Ainda que existam bolsões de pobreza em todas as macrorregiões brasileiras, preocupa sobremaneira o Nordeste, principalmente o Semiárido, onde se concentra grande parte da pobreza rural.

O associativismo e o cooperativismo são instrumentos poderosos de superação de problemas de pequenos produtores, notadamente em relação às imperfeições de mercado (aviltamento nos preços de venda de produtos e preços mais altos na compra de insumos). Educação básica, acesso a tecnologias e à assistência técnica e extensão rural são outros instrumentos para vencer a histórica pobreza rural.

As ciências e sua aplicação no setor agrícola, ao incorporar conhecimento e tecnologia, são forças motrizes para a superação dos desafios apresentados e sua transformação em oportunidades de desenvolvimento, levando em conta sempre o poder do consumidor nacional e internacional.

É neste contexto que uma instituição de pesquisa e desenvolvimento de soluções para o setor agrícola brasileiro, como a Embrapa, deve estruturar sua programação de pesquisa, bem como seu papel catalisador das ações dos diversos atores. Além disso, deve mobilizar os demais órgãos públicos para não só apoiar o desenvolvimento tecnológico, mas também auxiliar no desenho de políticas que sejam ancoradas em tecnologias que, além de impulsionar a pujança de nossa agricultura, contribuam para resgatar grande parte dos sistemas agrícolas de produção que hoje se encontra à margem e que, se nada for feito, se afastará cada vez mais, ampliando o fosso que produz tais discrepâncias.

Assim, fica evidente que a tarefa de estruturar uma agricultura sustentável que contribua, de forma efetiva, para prover alimentos, energia, fibras, serviços ambientais e lazer para uma população mundial que deverá atingir mais de 9 bilhões de pessoas em 2050 requer esforço conjunto de governos (estabelecendo políticas adequadas) e da sociedade (estimulando o setor privado a produzir, a comercializar e a processar o que é exigido pelos mercados interno e externo). A ciência desempenha papel fundamental nessa tarefa: desenvolver conhecimentos e tecnologias capazes de assegurar oferta de produtos em quantidade e qualidade suficiente e que sejam, ao mesmo tempo, ambientalmente corretos e socialmente justos.