Riscos na agricultura

A atividade agrícola tem uma diferença importante em relação a outros setores: ela depende fortemente de recursos naturais e de processos biológicos. Plantas, animais e microrganismos não se comportam com a precisão de máquinas. O clima não se repete da mesma forma de um ano para o outro e um solo fértil pode, com manejo equivocado, perder suas propriedades em alguns ciclos de produção. É uma atividade de risco.

Atualmente, esses riscos são maiores pois a agricultura contemporânea se caracteriza pelo uso intensivo do capital. Pode ser gigantesco o prejuízo financeiro com uma seca inesperada, uma geada forte, uma quebra de safra ou uma baixa repentina nos preços.

Os resultados da atividade agrícola estão relacionados à qualidade das diversas decisões dos agricultores, antes, durante e após o processo produtivo. São três as perguntas básicas: o que produzir, como produzir e para quem produzir. Os agricultores precisam decidir qual cultivo ou criação adotar, qual tecnologia empregar, qual a forma de financiamento e até mesmo que estratégia de comercialização adotar. Ao tomar essas decisões, os agricultores levam em conta, consciente ou inconscientemente, os riscos.

A gestão do risco é inseparável da gestão da produção agrícola. Com a mudança do clima e o processo de intensificação dos sistemas produtivos, cada vez mais os sistemas de gestão de risco ganham importância nas diferentes cadeias produtivas da agricultura.

A agricultura brasileira é uma ilha em um mar de riscos.

Estudo realizado em 48 países em desenvolvimento indica que 25% dos danos advindos de desastres naturais ocorridos entre 2003 e 2013 recaíram sobre a agropecuária, causando prejuízos de US$ 70 bilhões. Estima-se que 44% dessas perdas foram causadas por secas e 39% por enchentes.

No Brasil, análises evidenciam perda anual próxima de R$ 11 bilhões (1% do PIB agrícola) devido a eventos extremos

Atualmente, 75% dos alimentos do mundo são gerados a partir de 12 espécies de plantas e cinco espécies de animais. Isto torna o sistema alimentar global altamente suscetível aos riscos inerentes à atividade agrícola, como pragas e doenças em animais e plantas, problema agravado pelos efeitos da mudança do clima. Eventos climáticos podem determinar:

  • Perdas relevantes na produção.
  • Queda das exportações.
  • Redução da ocupação direta e indireta.
  • Maior volatilidade na produção e renda dos produtores.
  • Elevação de preços para os consumidores.
  • Insegurança alimentar.

O fato de a maior parte da produção agropecuária nacional situar-se na faixa tropical demanda sofisticação nas práticas de gestão de risco. Considerando que a mudança do clima em âmbito global já é perceptível pela intensificação de estresses térmicos, hídricos e nutricionais nos sistemas produtivos, pode-se afirmar que a agricultura brasileira é uma ilha em um mar de riscos.

Riscos associados

É comum lembrar de problemas climáticos quando se pensa em riscos da atividade agrícola, mas existe uma série de riscos associados, nem sempre evidentes, que precisam ser levados em consideração. Especialistas propõem a seguinte classificação de riscos:

  • Riscos de produção.
  • Riscos sanitários.
  • Riscos de gestão dos recursos (em especial dos recursos naturais).
  • Riscos de crédito e comercialização.
  • Riscos relacionados ao mercado externo.
  • Riscos decorrentes da infraestrutura.
  • Riscos do ambiente institucional relacionados a direitos de propriedade mal definidos, mudanças nas regras de comércio e mudanças nas regras relacionadas à própria produção.

Um fator que está no topo dos riscos associados é a disponibilidade energética para os processos produtivos em todos os elos das cadeias agrícolas. É preciso ter energia para produzir e para escoar a produção. Atualmente, os combustíveis fósseis, como o petróleo, tem papel importante no setor, mas o cenário de mudanças do clima exige soluções sustentáveis.

Energias renováveis tem ganhado cada vez mais adeptos, mas ainda existem incertezas quanto à sua adoção e impacto em curto e em médio prazo. É fundamental que se estabeleçam políticas públicas e programas para:

  • Ações de pesquisa e desenvolvimento tecnológico relacionados às energias renováveis.
  • Elaboração de modelos matemáticos para medir redução de emissões pela adoção de tecnologias mais sustentáveis.
  • Investimentos em infraestrutura Inovações em transporte e escoamento.

Outro importante fator de risco é a dependência de importação de insumos, especialmente de fertilizantes. Desde a década de 1990, a privatização das indústrias estatais de fertilizantes e a facilitação da entrada de produtos importados, por meio de isenção de impostos, fez com que a produção nacional se tornasse muito inferior à demanda interna. Como consequência, a dependência em relação às importações vem aumentando ano após ano. Atualmente, mais de 70% do consumo total de fertilizantes na agricultura brasileira é suprido por importações.

Os fertilizantes respondem por mais de 40% do custo total de produção das principais culturas no Brasil. Há grande influência dos preços da matéria-prima internacional, das commodities agrícolas e do petróleo na formação de preços desses insumos. É estratégico para o Brasil reduzir a dependência externa de fertilizantes e diminuir o impacto dos insumos no custo da produção agrícola. Isto exige planos estratégicos liderados pelo Estado brasileiro, com participação intensa do setor privado.

Outro risco associado à intensificação produtiva brasileira é a chamada “ponte verde”. A sequência ininterrupta de cultivos tem favorecido doenças e pragas como a ferrugem da soja, a lagarta-do-cartucho do milho, a mosca-branca e a lagarta Helicoverpa armigera, com severas consequências econômicas e ambientais.


Obs.: as informações apresentadas nesta página estão devidamente referenciadas no documento completo Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira (PDF).

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Gestão integrada de riscos

As soluções para gestão do risco envolvem uma combinação de medidas e de atores. A definição da estratégia e a escolha das políticas são influenciadas por duas dimensões-chaves dos riscos: a probabilidade de ocorrência dos eventos e a severidade dos impactos. Com base nessas dimensões, é possível segmentar os riscos da seguinte forma:

  • Riscos frequentes, os quais ocasionam perdas pequenas.
  • Riscos cuja frequência e impacto não podem ser negligenciados e nem assumidos pelos próprios produtores, que buscam proteção via operações de mercado.
  • Riscos que, mesmo tendo uma frequência pequena, geram grandes perdas e por isso são classificados como catastróficos. Estas perdas não podem ser assumidas pelos produtores e, portanto, justificam-se ações governamentais.

São as três as principais ferramentas de gestão:

Prevenção ou mitigação: visa reduzir a probabilidade de ocorrência de eventos adversos ou reduzir o impacto dos eventos. O zoneamento de áreas próprias para cultivo de determinadas culturas é um exemplo. Agricultores e agentes financeiros sabem que financiar algo não recomendado para determinada região é mais arriscado.

Transferência: visa diluir os efeitos econômicos negativos entre um grupo de atores. O seguro rural é um exemplo. Por meio dele, o produtor transfere uma despesa futura e incerta (dano), de valor elevado, por uma despesa antecipada e certa de valor relativamente menor. É como o seguro de um automóvel.

Enfrentamento ou resposta: objetiva aliviar os efeitos negativos provocados pela ocorrência dos eventos. Um bom exemplo é o Programa Garantia Safra, que disponibiliza um benefício em dinheiro para pequenos agricultores de municípios que sofrem com a perda de pelo menos 50% do conjunto das produções.

Visão integrada da gestão de riscos agropecuários

O Brasil já conta com uma série de políticas, programas e instrumentos de gestão de risco. Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF) e Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem (Moderinfra) são alguns exemplos.

Como ferramenta fundamental de apoio a praticamente todos esses instrumentos está o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC). São indicadas datas ou períodos de plantio por cultura e por município, considerando as características do clima, o tipo de solo e o ciclo de cultivares, para evitar que adversidades climáticas coincidam com as fases mais sensíveis das culturas. São levados em consideração dados como precipitação, temperatura e consumo hídrico para garantir 80% de chance de êxito nas culturas analisadas.

Zoneamento agrícola da soja no Paraná

Exemplo de zoneamento em um estado. O estudo permite a cada município identificar a melhor época de plantio das culturas, nos diferentes tipos de solo e ciclos de cultivares, com o objetivo de minimizar os riscos relacionados aos fenômenos climáticos.

Levantamento recente indica que o Brasil evitou perdas de produtividade da ordem de R$ 3,6 bilhões anuais graças à adoção do ZARC na concessão de crédito de custeio e de seguro aos produtores rurais. Trata-se de uma ferramenta crucial para o apoio à tomada de decisão, ao planejamento e à execução de atividades agrícolas, bem como para políticas públicas e para a seguridade agrícola. Desenvolvido há mais de 20 anos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pela Embrapa e por instituições de pesquisa parceiras, o Zoneamento é um exemplo concreto de como ferramentas para gestão de riscos geram impacto positivo.

Brasil evitou perdas da ordem de R$ 3,6 bilhões anuais graças à adoção do ZARC

Perspectivas futuras sinalizam que o uso crescente de novas tecnologias na agricultura aumentará ainda mais o risco econômico pois exigem grandes investimentos e maior inserção dos produtores nos circuitos financeiros. Pequenas mudanças nos preços e na produtividade podem afetar significativamente a sustentabilidade econômico-financeira dos negócios agrícolas.

Para responder ao crescente número de riscos e perigos, é preciso ampliar a capacidade de antecipar futuros possíveis, de realizar escolhas inteligentes e de planejar trajetórias futuras de forma cada vez mais sofisticada e competente.